A pandemia Covid-19, para além do desafio no plano sanitário, colocou empresários e gestores, sobretudo os das micro e pequenas empresas, perante o dilema de parar ou continuar, uma vez que é grande a incerteza gerada pelo desconhecimento sobre a duração da atual situação e da nova realidade sócio económica que vai seguramente emergir no final. No fundo, as únicas duas certezas que têm são paradoxalmente fonte de incerteza que pode levá-los para territórios de ambiguidade que inibem a decisão e resultam em estados de ansiedade e angústia, no limite de burnout, reduzindo as suas competências emocionais, cognitivas e, até, físicas. E sabemos quão importante é o equilíbrio psicológico de empresários e gestores para tomarem as decisões que melhor servem e são necessárias ao desenvolvimento das suas empresas e dos seus negócios…

Costumo afirmar em jeito de brincadeira que todos nós temos de aprender a entrar em pânico calmamente. E hoje, mais do que nunca, isso é ainda mais necessário para que as decisões sejam conscientes e alicerçadas numa análise racional e fria da realidade. Porque em ocasiões como a que vivemos temos de agir e mudar de forma objetiva para nos adaptarmos de forma eficaz. No fundo, a ação, a mudança e a adaptação têm de ser dirigidas, terem um propósito, estarem alicerçadas numa visão consistente e com sentido, sob pena de serem esforço improdutivo e de destruição de valor anteriormente criado. No fundo, em vez de agregarmos algo ao que temos, destruirmos o que levou por vezes muito tempo a construir.

Na minha perspetiva, a situação que vivemos desde março tem de ser analisada com base em dois eixos – economia / finanças e pessoas / comportamento –, pois são eles que vão determinar, em grande medida, a realidade que há de emergir no pós-pandemia. E será no ajustamento a essa nova realidade que estará a chave do sucesso ou insucesso de empresários e gestores, de empresas e negócios.

Análise da situação

Economia / Finanças

A generalidade das instituições nacionais e internacionais, nomeadamente o Banco de Portugal e Fundo Monetário Internacional, preveem um recuo do PIB na ordem dos 9 / 10%, o défice público acima dos 8 / 9% e um rácio de dívida pública a disparar para mais ou menos 135% do PIB no final do ano. Aponta-se igualmente para que o nosso país tenha necessidades de financiamento na ordem dos 25 / 30 mil milhões, segundo as projeções de muitos economistas. Verifica-se também que a atividade económica é brutalmente afetada, com o turismo à cabeça, setor com um peso direto e indireto relevante no PIB.

Este quadro suscita duas questões cujas respostas são críticas para as decisões que empresários e gestores têm de tomar e que, como digo, devem ser racionais:

  • Vamos ter capacidade de ir ao mercado emitir dívida a custos aceitáveis para obter o capital necessário para fazer face às despesas que estão a ser feitas na saúde, no suporte às famílias, no apoio às empresas, … e do investimento que terá inevitavelmente de ser feito para relançar a economia?
  • Vamos, como país, ser capazes de encetar um caminho de uso dessa dívida para reforçar a nossa capacidade e fatores produtivos com o objetivo de transformar a dívida que contrairmos em capital e não dívida em cima de dívida, com todos os riscos que isso representa e que, infelizmente, já conhecemos?

Pessoas / Comportamentos

A pandemia levou-nos a questionar as “verdades” que tínhamos como adquiridas, deixou a nu a nossa incapacidade para lidar com os limites da realidade, com a incerteza e com o poder inabalável da natureza sobre a nossa vida e as suas circunstâncias. Esta nossa vivência tornou-nos mais introspetivos, colocou-nos a olhar mais para dentro de nós próprios e a sermos mais criteriosos na observação do que nos rodeia. Forçou-nos a refletir sobre o que somos e como somos, a pensarmos sobre o modelo de vida pessoal e profissional que seguimos e que queremos seguir e a relativizarmos muitos dos quereres e desejos que têm comandado as nossas vidas.

Mostrou-nos igualmente, de forma inexorável, que afinal a vida é mesmo imprevisível e nós é que a vivemos como se fosse certa e pautada por uma previsibilidade inabalável, para evitarmos a ansiedade decorrente da nossa incapacidade de lidar com o desconhecido, com a incerteza e com o inesperado. Em bom rigor, esta impossibilidade de cartografarmos o futuro deixou-nos sem confiança e esperança para alcançarmos o que podemos e merecemos ser nos vários papéis que desempenhamos a nível pessoal e profissional. E isso colocou-nos perante um novo desafio: a necessidade de aprofundarmos a nossa resiliência para lidarmos e superarmos situações verdadeiramente adversas.

A consequência sobre o que tínhamos como verdadeiro, bem como a dificuldade de acomodarmos a tomada de consciência de que afinal nada é certo e seguro, leva-nos a formular mais duas questões:

  • será que os sistemas de valores individuais que alicerçam e sustentam os padrões de comportamento das pessoas vão manter-se ou vão alterar-se de forma significativa, com impacto no estilo de vida e no funcionamento da própria sociedade?
  • será que a confiança em nós próprios, nos outros e nas instituições, públicas e privadas, e a esperança enquanto motor de ação saem afetadas e vão ser restabelecidas num prazo razoável (1 ano, ano e meio)?

Possíveis respostas

Economia / Finanças

Em relação ao financiamento do Estado e da economia tudo aponta para que venhamos a obter o financiamento que necessitarmos, seja por via do BCE, UE (União Europeia), MEE (Mecanismo de Estabilidade Europeu) ou no mercado da dívida sem dificuldades de maior e a custos aceitáveis. Já quanto à transformação da dívida em capacidade produtiva que reforce os nossos fatores produtivos para transformarmos essa dívida em capital que nos permita alavancar o nosso futuro e o dos nossos filhos, tenho reservas, muitas reservas, porque o nosso passado nesta matéria não me deixa tranquilo. Vamos ver…

Pessoas / Comportamentos

Em relação aos sistemas de valores individuais e aos padrões de comportamento das pessoas penso que vamos assistir a algumas mudanças emergentes e ao acelerar de algumas tendências que já eram visíveis antes da pandemia.

  • Mudanças emergentes

Antecipo um novo olhar para o valor da cooperação e de uma maior atenção aos outros, por oposição a condutas autocentradas e individualistas. Espero igualmente um reforço do sentido crítico e da autorreflexão sobre a realidade, bem como uma maior busca de sentido e de propósito para a vida pessoal e profissional. Acho, ainda, que fortalecer-se-á a consciência da finitude da capacidade humana, tornando-nos um pouco mais humildes e conscientes dos nossos limites face à realidade e à vida em geral. Por fim, vamos muito provavelmente assistir a uma desaceleração da globalização, com a relocalização de muita indústria na Europa, a introdução de restrições à livre circulação de pessoas e bens e a redução da mobilidade a nível internacional por motivos profissionais e de lazer.

  • Aceleração de tendências

As questões relativas à sustentabilidade vão acentuar-se. Como consequência iremos assistir à valorização da relação com a terra, da harmonia com a natureza e da proteção do ambiente, como a reciclagem, a diminuição do consumo e a adoção de práticas e comportamentos de proteção dos ecossistemas. A ideia de valor vai conquistar espaço à de riqueza, com esta a submeter-se crescentemente à primeira. O aumento do número de pessoas em teletrabalho e a realização de reuniões a partir de casa ou de qualquer outro ponto através de sistemas telemáticos vai também crescer. Penso ainda que as relações entre as pessoas vão passar a ser um fim em si mesmas, a ter um valor per se e não um meio catalisador de mais valias extrínsecas para os elementos da relação. Finalmente, a transformação digital vai pressionar a reformulação de modelos de negócio e de funcionamento das empresas com impacto em quem trabalha e no consumo.

No que respeita à confiança e à esperança das pessoas em relação ao futuro, estou convicto que serão restabelecidas dentro de um ano / ano e meio, porque a nossa cultura favorece a inevitabilidade e a aceitação passiva da dificuldade pela generalidade das pessoas e promove limiares mínimos de exigência individual e coletiva. Duas variáveis que nos levam a esquecer de forma relativamente rápida o que nos acontece e nos “empurram” para um círculo vicioso inibidor do desenvolvimento, tão bem expresso no tão nosso fado.

Conclusão

A análise e possíveis respostas acima apresentadas sugerem que empresários e gestores devem procurar continuar com os seus negócios e empresas, mas darem uma especial atenção e gerirem três fatores especialmente críticos para saírem da pandemia mais robustecidos e capacitados para rentabilizarem os esforços a que estão a ser sujeitos.

  1. Ter em conta o setor de atividade em que se insere o seu negócio, porque tudo aponta para que a recuperação seja diferente de setor para setor.
  2. Avaliar a capacidade económica e financeira para suportar um período de cerca de 2 anos com uma operação previsivelmente pouco rentável ou mesmo deficitária, até que a economia atinja um desempenho que permita uma operação com rentabilidade mais próximo do desejável.
  3. Ajustar a visão e a estratégia de negócio e aferir a necessidade de adaptar a proposta de valor e os modelos de negócio e de funcionamento da empresa, com a finalidade de responder aos novos padrões de consumo e de comportamento que vão inevitavelmente emergir, nalguns casos muito diferentes dos atuais.

José Duarte Dias

Managing Partner

Paradoxo Humano

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